terça-feira, 30 de abril de 2019

Saguis invasores se proliferam em Florianópolis

     Carismático, o sagui-de-tufos-pretos conquistou a simpatia dos moradores de Florianópolis. Não é difícil ver o primata interagindo com visitantes em parques da capital catarinense. O contato entre humanos e saguis, no entanto, pode ser prejudicial às duas espécies: o sagui transmite doenças ao homem e perde a capacidade de procurar alimento na natureza depois de se habituar ao alimento oferecido por humanos. Além disso, o sagui-de-tufos-pretos não é nativo de Santa Catarina: trazido na boleia de caminhoneiros nos anos 1960, o animal chegou ao estado por meio do tráfico ilegal e se reproduziu até tornar-se uma espécie exótica invasora.

     Ainda não se sabe o tamanho do prejuízo ambiental que a espécie está causando no ecossistema da ilha, mas é possível o sagui compete por alimento com primatas nativos, como o macaco-prego, e pode predar ovos e filhotes de aves nativas.

     Os saguis já fazem parte do dia-a-dia de Florianópolis. Moradores e turistas estão acostumados a encontrar o animal nos arredores de parques ou em áreas próximas a matas remanescentes. 83% dos visitantes do Parque Municipal do Córrego Grande e 92% dos moradores dos arredores avistam os saguis com frequência, segundo pesquisa feita pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O parque é o maior urbano de Florianópolis, com cerca de 21 hectares de Mata Atlântica. O problema é que, além de tirar fotos ao avistar os saguis, alguns moradores ainda insistem em alimentar o animal. 13% dos moradores e 7% dos frequentadores do Parque do Córrego Grande admitem oferecer alimento aos saguis. Dos moradores, 63% relataram que os saguis têm costume de entrar nos seus terrenos, isto é, ultrapassar os limites do parque. Destes, 24% afirmaram que os animais entram nas casas em busca de alimento.

     “As pessoas dão comida para esses animais porque ele é fofinho, bonitinho, é uma prática comum. Elas deixam um pratinho com frutas para promover a aproximação do animal silvestre. Isso é feito na ilha toda”, explica a bióloga Cristina Valéria Santos, que estuda os saguis há mais de 15 anos. A alimentação provida pelo homem faz com que os animais se tornem menos capazes de encontrar o próprio sustento. “Eles acabam se tornando mais fortes e não passam pelas privações naturais que os animais silvestres passam”, afirma Santos. “Isso vai impactar positivamente na reprodução e vai deixar os saguis em vantagem em relação às espécies nativas.”

     A proximidade com os humanos causa prejuízos ao sagui e também ao homem. Já foram registrados casos de saguis que morderam pessoas que se aproximaram abruptamente no Parque do Córrego Grande. Além dos riscos à saúde, o sagui também pode representar uma ameaça à biodiversidade de Florianópolis. “Eles competem por alimento com as nossas espécies nativas”, diz Kolesnikovas. Um dos animais nativos que tem alimentação similar a dos saguis é o macaco-prego. “Por serem animais generalistas, que comem de tudo, os saguis-de-tufos-pretos também podem atacar ninhos, comer ovos ou filhotes de passarinhos e causar desequilíbrio ambiental nas espécies daqui", diz a veterinária Cristiane Kolesnikovas.

     Para a bióloga Cristina Santos, ainda faltam estudos capazes de demonstrar o impacto da superpopulação de saguis nas espécies nativas da ilha de Santa Catarina. “É fato que ele está aumentando sua área de distribuição aqui mas a gente ainda não sabe exatamente o impacto disso na biodiversidade e nas populações de espécies nativas”, diz.

     Ainda não há evidências científicas da predação contínua e crescente de ovos de aves por saguis. Por isso não é possível determinar que essa predação é a causa principal do desaparecimento de espécies de aves em Florianópolis. Outros fatores que prejudicam as aves nativas na cidade são o crescimento urbano acelerado, a diminuição e fragmentação de áreas com florestas e também a captura de aves para criação e tráfico ilegal. Pesquisadores avaliam que a invasão biológica dos saguis-de-tufos-pretos nos parques da região Sul do Brasil é uma ameaça constante a essas áreas protegidas. No entanto, as ações para controle dessas bioinvasões não visam erradicar a espécie invasora, já que em muitos casos a medida é praticamente impossível graças a facilidade de instalação e dispersão dos saguis.

     Responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que acolhe saguis apreendidos em operações da Polícia Ambiental, Cristiane Kolesnikovas acredita que eventuais medidas de controle só terão resultado no longo prazo. “Para começarmos algum projeto de controle populacional precisaria ser feito primeiro um levantamento de quantos animais a gente tem na ilha para que, depois, no caso de um processo de castração, a gente tenha certeza que todos os animais estão castrados”, diz.



Confira o artigo na íntegra acessando o link: https://g1.globo.com/natureza/desafio-natureza/noticia/2019/04/27/saguis-invasores-se-proliferam-em-florianopolis-com-ajuda-de-alimentacao-indevida.ghtml